O que os
olhos não veem
Por: Edna de Paula Soares
Um dia meu filho me disse que ao fazer uma prova de
vestibular deveria comentar o sobre o livro VIDAS SECAS de Graciliano Ramos.
"Sabe mãe, o texto descreve a vida dura de retirantes. Ele descreve como
eles viviam. Havia uma cadela chamada Baleia que ficava deitada debaixo do
fogão nas cinzas quentes esperando apenas a hora da morte. Então eu decidi
escrever sobre ela, a cachorra Baleia. Fiz um paralelo entre ela e os drogados
que vivem jogados pelas ruas. Eles são esquecidos e completamente
marginalizados como aquele animal, sem esperança, sem objetivo, sem vontade de
viver. Vivem esperando apenas a hora da morte". Eu me emocionei com o que
ele me contou e me perguntei de onde vinha tamanha sensibilidade e tamanha
percepção? Com o tempo percebi que seus olhos viam coisas que os meus
ignoravam. Ignoravam por pura inconsciência, por preconceito, por preguiça, por
minha educação, pela religião que me ensinou que todos estes “viciados” estão
perdidos. E, por perdidos queriam dizer condenados ao inferno. Fui doutrinada a
evitar tais pessoas. Nada de conviver com “mulheres de vida fácil”, viciados de
qualquer espécie, gente suspeita de não ser honesta. A questão é que nossos
olhos não são capazes de ler o coração das pessoas. As vemos apenas
exteriormente e as medimos conforme nossos conceitos ou preconceitos. André não
era assim. Ele olhava e VIA as pessoas em suas diferentes condições. Seus olhos viam os seres
humanos banidos da sociedade e da sorte por detrás dos trapos e das drogas.
Depois que passei a ouvir o que ele dizia percebi que aqui,
nesta Terra, nesta vida vivemos o céu e o inferno. Como podemos condenar ainda
mais alguém que já está no inferno? Ou será que ao vermos, ainda que pela televisão, locais como a
cracolândia não temos a impressão que estamos tendo uma visão de um Umbral, ou
um Hadis(lugar dos mortos), ou um purgatório? Por que somos tão
indiferentes aos que sofrem? Por que não podemos nem por um instante
perceber a solidão de nosso irmão no abandono das drogas? Por que não
podemos por um só momento sentir o frio e a fome daqueles que não tem o aconchego
de um lar? Por que não ouvimos o choro das crianças abandonadas? Ou
até mesmo de animais largados à própria sorte? Somos enfeitiçados para
não ver. Somos treinados para ignorar. Criamos desculpas para não perceber.
Poucos têm olhos para ver tais verdades e, a estes chamamos loucos. Mas loucura
maior é passar pela vida encantados pelo brilho temporário de nossos tesouros
ignorando a miséria à nossa porta.
Hoje eu tento praticar o exemplo do André que, na realidade
são os ensinos de Jesus postos em prática. Ele dizia: "Quero respeitar
TODAS as mulheres, não importa quem sejam. Quero ser gentil para com todos sem
distinção". E ainda me dizia com frequência: "Mãe, não julgue a ninguém
pois você não sabe o que se passa em seus corações. Não julgue a um drogado ou
andarilho, ele nada mais tem e aguarda apenas a hora da morte." Esse
André foi um anjo de luz que Deus pôs em minha vida.
Todas as vezes que cumprimento meus vizinhos pela manhã, ou faço algo por um pedinte ou sou amável com alguém que anda sem rumo vejo que estou seguindo seu exemplo. Ele sabia que a vida verdadeira não é esta de desilusões e diferenças sociais. Nem a vida de descaso pelos que julgamos menos afortunados, nem a vida de disputas que vivemos a cada minuto, mas que a vida verdadeira é aquela que nos iguala e para a qual caminhamos todos, cada qual em seu ritmo, mas sem dúvida todos chegaremos lá.
Está chegando o Natal. Neste dia muitos estarão com frio, fome, desabrigados e necessitados de um sorriso amigo.
Queridos, que neste Natal abramos nossos olhos e vejamos nosso irmão, quem quer que seja ele. Vejamos com nossos corações, com nossa alma. Que possamos dar a nós mesmos este presente, o presente de ver com os olhos do Cristo.
Obrigada André, eu sou uma pessoa melhor hoje porque tive
você em minha vida.